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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Como fundar a ética hoje!


A razão não é o primeiro nem o último momento da existência. Por isso não explica tudo nem abarca tudo

VIVEMOS HOJE grave crise mundial de valores. É difícil para a grande maioria da humanidade saber o que é correto e o que não é. Esse obscurecimento do horizonte ético redunda numa insegurança muito grande na vida e numa permanente tensão nas relações sociais, agravada pela lógica dominante da economia e do mercado, que se rege pela competição, e não pela cooperação, dificultando destarte o encontro de estrelas guias e de pontos de referência comuns.

Importa também não esquecer o que o historiador Eric Hobsbawm, em sua obra «Era dos Extremos» (Cia. das Letras), constatou: houve mais mudanças na humanidade nos últimos 50 anos do que desde a Idade da Pedra. Essa aceleração fez com que os mapas conhecidos não orientassem mais e a bússola chegasse a perder o Norte. Nesse quadro dramático, como fundar um discurso ético minimamente consistente?

Considerando a história, verificamos que duas fontes da moral orientaram as sociedades até hoje: as religiões e a razão. As religiões continuam sendo os nichos de valor privilegiados para a maioria da humanidade. A razão, desde que irrompeu, quase simultaneamente em todas as culturas mundiais, no século 6 a. C., no assim chamado tempo do eixo (Karl Jaspers), tentou estatuir códigos éticos universa]mente válidos. Esses dois paradigmas não ficam invalidados pela crise atual, mas precisam ser enriquecidos, se quisermos estar à altura das intimidações que nos vêm da realidade hoje globalizada.

A crise cria a oportunidade de irmos às raízes da ética e descermos àquela instância na qual se formam continuamente valores. A ética, para ganhar um mínimo de consenso deve nascer da base última da existência humana. Esta não reside na razão, como sempre pretendeu o Ocidente. A razão não é o primeiro nem o último momento da existência. Por isso não explica tudo nem abarca tudo. Ela se abre para baixo de onde emerge, de algo mais elementar e ancestral: a afetividade. Abre-se para cima, para o espírito, que é o momento em que a consciência se sente parte de um todo e que culmina na contemplação. Portanto a experiência de base não é «penso, logo existo”, mas «sinto, logo existo”. Na raiz de tudo não está a razão (“lógos”), mas a paixão (“páthos”).

David Goleman diria: no fundamento de tudo está a inteligência emocional. Afeto, emoção -numa palavra, paixão - é um sentir profundo. É entrar em comunhão, sem distância, com tudo o que nos cerca. Pela paixão captamos o valor das coisas. E o valor é o caráter precioso dos seres, aquilo que os torna dignos de serem e os faz apetecíveis. Só quando nos apaixonamos vivemos valores. E é por valores que nos movemos e somos.

À deriva dos gregos, chamamos essa paixão de éros, de amor. O mito arcaico diz tudo: «Eros, o deus do amor, ergueu-se para criar a terra. Antes, tudo era silêncio, nu e imóvel. Agora tudo é vida, alegria, movimento”. Agora tudo é precioso, tudo tem valor, por causa do amor e da paixão.

Mas a paixão é habitada por um demônio. Deixada por si mesma, pode degenerar em formas de gozo destruidor. Todos os valores valem, mas nem todos valem para todas as circunstâncias. A paixão é um caudal fantástico de energia que, como águas de um rio, precisa de margens, de limites e da justa medida para não ser avassaladora. É aqui que entra a função insubstituível da razão. É próprio da razão ver claro e ordenar, disciplinar e definir a direção da paixão. Eis que surge uma dialética dramática entre paixão e razão. Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez, a tirania da ordem e a ética utilitária. Se a paixão dispensar a razão, vigora o delírio das pulsões e a ética hedonista, do puro prazer. Mas, se vigorar a justa medida e a paixão se servir da razão para um auto-desenvolvimento regrado, então emergem as duas forças que sustentam uma ética humanitária: a ternura e o vigor.
A ternura é o cuidado com o outro, o gesto amoroso que protege. O vigor é a contenção sem a dominação, a direção sem a intolerância. Ternura e vigor, ou também «animus” e «anima”, constroem uma personalidade integrada, capaz de manter unidas as contradições e se enriquecer com elas.

Aqui se funda uma ética, capaz de incluir a todos na família humana. Essa ética se estrutura ao redor dos valores fundamentais ligados à vida, ao seu cuidado, ao trabalho, às relações cooperativas e à cultura da não-violência e da paz..

Leonardo Boff 64, teólogo e escritor, é professor emérito de ética da Uerj (Universidade da Estado do Rio de Janeiro) e autor, entre outras obras, de “Ethos Mundial - um consenso mínimo entre os humanos” (ed. Sextante).
Publicado na “Folha de São Paulo” de 15/06/2003.

By: Valdo

Um comentário:

Júnior disse...

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